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O papel do psicólogo no envelhecimento

O psicólogo especialista em gerontologia pode ajudar o idoso a passar pelas transformações físicas, mentais e emocionais e na promoção da qualidade de vida.

Você já parou para pensar que um idoso com 85 anos, quando nasceu, tinha a perspectiva de viver apenas 36 anos?

A expectativa de vida na década de 1930 era de 36,5 anos. No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, a expectativa de vida ao nascer é de 80 anos para mulheres e de 73 anos para os homens. Sim, estamos vivendo cada vez mais.

Atualmente, não conseguimos imaginar a nossa vida terminando antes dos 40 anos. Quantos momentos deixaríamos de viver? Quantos sonhos não realizaríamos? Hoje temos mães realizando o sonho da maternidade após os 40 anos. E pessoas entrando na faculdade para iniciar uma nova profissão aos 60 anos, quando começa a chamada terceira idade.

Os avanços da tecnologia e da medicina nos proporcionam cada vez mais anos extras de vida.

No entanto, ainda não conseguiram barrar as transformações físicas e mentais do envelhecimento e suas consequências. A dificuldade de locomoção, o aparecimento de rugas e de cabelos brancos, as falhas na memória… as limitações decorrentes da idade uma hora acabam chegando. E a verdade é que ninguém quer se tornar mais vulnerável e dependente nas atividades básicas do dia a dia.

Psicólogos gerontologos

Nesse cenário, surgem os profissionais gerontologos, especialistas de diferentes clínicas que têm um olhar atento à complexidade do envelhecimento com o objetivo de proporcionar uma melhor qualidade de vida ao paciente.

Entre eles, o psicólogo, com especialização em gerontologia, tem um papel importante na adaptação e no acompanhamento do declínio físico e cognitivo ligado à idade.

Entre as principais funções desse profissional:

– Desenvolver programas de promoção de qualidade de vida e de mudanças de atitudes;
– Orientar e acompanhar os pacientes em sua residência ou instituições de longa permanência;
– Realizar avaliação psicológica de idosos e psicoterapia individuais e em grupo;
– Assessoria a instituições públicas e prestação de serviços psicológicos em instituições de longa permanência;
– Realizar palestras para informar a complexidade do envelhecer;
– Auxiliar no tratamento de déficits e distúrbios cognitivos e psicomotores;
– Orientar e aconselhar os familiares de idosos;
– Assessoria, planejamento e execução de programas de promoção em saúde na comunidade e em promoção social para idosos;
– Apoio psicológico a profissionais que cuidam de idosos;
– Participação em equipes multiprofissionais;
– Organizar e adaptar o espaço físico que o idoso frequenta e reside.

De acordo com Neri (2005), a psicologia pode contribuir para o bem-estar dos idosos, oferecendo treinamentos para aprimorar habilidades profissionais e apoio psicológico a profissionais que trabalham com idosos, assessoria no planejamento e na avaliação de serviços.

Segundo Brink (1983), o meio psicoterapêutico pode promover ao idoso a possibilidade de cuidar de si próprio e dos outros, estimulando sua autonomia.

Já Magesky, Modesto e Torres (2009) compreendem que é trabalho da psicologia é o de estimular, improvisar, problematizar, refletir e questionar sobre os aspectos relacionados aos idosos institucionalizados.

Adaptação para toda a família

O trabalho do psicólogo com especialização em gerontologia, sempre que possível, deve ser feito em conjunto com os familiares para ajuda-los a entender como acontece o processo de envelhecimento do seu ente querido.

A família é um agente facilitador e deve estimular a independência do idoso, respeitando algumas limitações para evitar a exposição a alguns riscos, como de queda.

A palavra “velho” na maioria das vezes automaticamente enaltece as perdas e vem carregada de valores depreciativos como desgastado, antigo, obsoleto. É o antônimo de jovem, que ressalta o belo, a inovação, o futuro.

Não adianta comemorar cada vez mais aniversários. É essencial encarar o processo de envelhecimento como um novo significado da nossa história.

Identificar novas possibilidades de vida, novos interesses e desejos. Compreender e aceitar suas limitações, sem abrir mão de sua independência e individualidade aprimorando sua qualidade de vida.
E o psicólogo pode ajudar a construir um outro olhar ao envelhecer.

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Síndrome de Gerontofobia, o que é isso?

Neste artigo iremos refletir sobre alguns aspectos e características da Síndrome de Gerontofobia, muito comentada na mídia sob a terminologia do “rejuvenescimento”, a fim de conhecermos os sintomas, e suas causas patológicas, que tanto impactam a vida do indivíduo..

Nada melhor, para iniciar a reflexão, que saber o significado das palavras, e ao pesquisar no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, na versão On Line, significa “conjunto de sintomas que caracterizam determinada condição ou situação”.

Já a palavra Gerontofobia (geronto + fobia) significa “aversão a”, ou medo patológico de pessoas idosas ou do processo de envelhecimento.

Patologia “parte da medicina que estuda as doenças ou desvio em relação ao que é considerado normal do ponto de vista fisiológico e anatômico e que constitui, ou caracteriza, uma doença”.

O interessante é não encontrar os sintomas dessa Síndrome nos livros de classificação de doenças e nem como surgiu, sendo apenas relacionada nos artigos ou entrevistas, que abordam o tema envelhecimento, como algo ou coisa temerosa, e não como uma fase da vida, a ser encarada naturalmente.

E a pergunta é: se o indivíduo tem condições de amenizar ou retardar algo que o aflige, por que não tentar?

A impressão que temos, ao ler reportagens ou artigos sobre pessoas, famosas ou não, que imaginam “driblar” a velhice fazendo plásticas, para disfarçar ou corrigir algo que não satisfaz, é que esta atitude não é bem aceita.
Existe uma crítica não dita relativa a estes comportamentos que devem ser examinados na perspectiva da sociedade atual.
Segundo Gaeta (2005, p. 40): 

“[…] temos medo de envelhecer, em primeiro lugar, porque a partir daí a vida termina. Ponto Final. E temos medo de envelhecer porque não teremos mais espaços sociais de
reconhecimento e de sobrevivência.

Haja estímulo ideológico a plásticas, ginásticas, cosméticos, etc.”

O medo talvez não seja da velhice e das imperfeições, mas o de acreditar que não será mais desejado, como ouço diariamente nos atendimentos de pessoas jovens, que ainda estão longe da idade considerada pessoa idosa (a partir de 60 anos) ou ainda de pessoas adultas.

Como mudar esse pensamento?

Quem gostaria de pensar seu futuro no espelho que projeta seu corpo flácido, cabelos com cores indesejadas ou até a falta de dentes?

Existe preparo para aceitar, naturalmente, a mudança brusca dos corpos, e realçar que o indivíduo é mais que um corpo perfeito e bonito?

Como agir face ao sofrimento interno e o enfrentamento solitário da pressão social na valorização da juventude?

Featherstone (1998), citado por Gaeta (2005), afirma:
“Pode-se argumentar que nas sociedades ocidentais contemporâneas, esse processo é exacerbado pela forte ênfase na aparência física na imagem visual que é um dos elementos fundamentais que impulsiona a cultura de consumo.

Nenhuma outra sociedade na história, como é frequentemente dito, produziu e disseminou tal volume de imagens do corpo humano através dos jornais, revistas, dos anúncios e das imagens do corpo em movimento na televisão e nos filmes.

A paisagem física das grandes cidades, das construções e lugares nos quais fazemos compras ou nos divertimos estão cheias de imagens e réplicas do corpo humanos, e a vasta maioria dessas imagens, especialmente aquelas usadas para vender mercadorias e experiências por meio de anúncios, são imagens da juventude, saúde e beleza dos corpos.

Uma boa parte da promoção da moda, indústria de cosméticos e de cuidado com o corpo apresenta esses ideais de corpos como algo que deveria ser atingido.

A transformação do corpo, que levará a uma transformação pessoal, é algo que está ao alcance de todos nós.

A mensagem divulgada é simples. Se você parece bem, você se sente bem. (2005, p. 61)”

Conforme as dores do corpo, dificuldades de locomoção se aproximando e em alguns casos chegando a prejudicar na vida cotidiana e trabalho, essas queixas reais, abandona as possibilidades e alternativas possíveis e a busca de opções para facilitar sua vida, ou intervenções para ajudar o fortalecimento do corpo, optando pelo isolamento, resistência de usar tecnologias para preservar sua autonomia, acreditando que a velhice é imperfeição e assim desenvolve a baixa autoestima e a dificuldade de aceitar o envelhecimento como mais uma fase da vida.

Constato em alguns casos a falta de aceitação perante a condição social e da fase de vida, lembrando somente de sofrimentos e perdas. Sobre isto Neri (2006, p 80), escreve:

“Ganha importância ao ressaltar que é significativo o número de idosos que, por desvantagens em estágios anteriores da vida, não desenvolvem as condições para a continuidade. Essas desvantagens são, entre outras, baixo nível educacional, baixa renda, poucas relações sociais, alta mobilidade geográfica, levando o idoso à descontinuidade e a enfrentar, de maneira negativa, o envelhecimento.”

Existem casos que a falta de energia da pessoa idosa é grande, levando a se isolar, sem prazer em realizar atividades que gostava ou, simplesmente, sem energia para resolver problemas e assuntos corriqueiros.

Noutros casos, a educação foi rígida. Pessoas passivas aos acontecimentos, se comportam de acordo com as expectativas alheias, resultando na crença de não ter direito de realizar seus próprios desejos.

A este respeito, Trentin & Silva, assinalam que:

A vida das pessoas está mesclada por situações adversas e situações favoráveis. A maioria delas interioriza, com mais facilidade, as situações adversas do que as favoráveis, e o fazem de tal maneira que as consequências se prolongam pelo resto da vida. As situações adversas, quando não enfrentadas adequadamente, podem levar à ansiedade e à depressão que, na maioria das vezes, atuam como “trampolim” para o desencadeamento de doenças, incluídas aquelas do tipo crônico-degenerativas, que podem se constituir em fontes de estresse. (2005, p. 01)’

Algumas pessoas idosas denotam muita mágoa em não realizar seus desejos e, desse modo, se privam de ser o que gostariam, ou fazer o que sonhavam, pois acreditam que seu tempo já passou e não volta atrás.

Escuto algumas vezes as frases “não fica bem uma velha(o) fazer alguns tipos de coisas como, por exemplo, namorar, se divertir, etc., elaboração enraizada em crenças e valores discrepantes sobre o envelhecer. 

Nessa fase, as perdas, naturais a esse processo parecem ser acentuadas na sua concepção, e reforçam as demais alterações ocorridas ao longo de sua vida, paralisando-a e deixando-a obstinada por um período já vivenciado.

Outro contexto que a sociedade valoriza é a do indivíduo ágil, trabalhando e consumindo, resultando na hostilização de pessoas envelhecentes que, em determinado momento, não
consumirão, o que se mostra um engano, pois a pessoa idosa continua a participar do mercado de consumo, talvez mudando a direção dos gastos.

Indagamos, como resolver as questões que envolvem a saída do mercado de trabalho, a redução dos ganhos, e o aumento de gastos, especialmente, com a medicação contínua?

O que seria então a Gerontofobia, neste contexto?

Gaeta afirma que “na verdade, temos uma gerontofobia, pelo menos aqui no mundo capitalista – inclua-se o Japão, apesar de toda sua cultura de respeito aos idosos – é o medo e a negação do envelhecer que impera” (p. 40, 2005).

Ressaltamos a importância do trabalho quanto à identidade pessoal e devido algumas doenças resultam no afastamento do trabalho e muitos casos a ociosidade não é bem aceita, gerando preconceito à sua própria condição de “inativa(o)”.

Considerações

Apesar de poucos artigos científicos abordarem o tema gerontofobia, esta breve reflexão tentou associar algumas indagações exemplificando por meio da narração de comportamentos, queixas e angústias, no qual recusa a própria condição, mas para o qual ainda não temos respostas.

Um entendimento mais adequado, resultando em planejamentos e ações amplas de conscientização social, talvez seja uma estratégia para o enfrentamento e aceitação de todas as fases da vida, inclusive no envelhecer com dignidade e respeito para com os idosos.

Se gerontofobia é o medo de envelhecer, podemos associá-lo a insegurança relativa à assistência e apoio familiares e sociais, resultando num temor do futuro, especialmente, se comparado a pessoas ao seu redor que tenham dificuldades para estes enfrentamentos.

Se considerada uma Síndrome, podemos pensar em tratamento, sugerindo que deva ser iniciado pela assertividade das políticas públicas, com serviços de qualidade voltados às pessoas idosas, não contaminando a sociedade com hostilidade que pode fazer com que acreditem não serem dignas de receber qualquer assistência.

Concordo com Trentin & Silva (2005), com relação à facilidade de introjetar situações adversas mais do que as situações favoráveis, uma das orientações a ser dada desde a infância, na valorização e respeito a todas as fases da vida.

Esta talvez fosse a estratégia mais segura contra o medo de envelhecer – a gerontofobia.

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Aspectos Positivos e Negativos da Velhice

Sugerimos aqui uma reflexão lúdica sobre aspectos positivos e  negativos da velhice, baseada no filme “O Quarteto”  (2013). Ao mesmo tempo, o texto faz pensar sobre como enfrentar esse  processo, ainda apoiado no modelo biomédico que traduz velhice como  declínio e morte, em uma sociedade que enaltece o jovem, o belo e o forte,  acarretando dúvidas, conflitos e angústia para os idosos. Nessa perspectiva,  não valorizam a vida que segue, na qual se realizariam e alcançariam objetivos  e desejos, aceitando as limitações de maneira “afinada”, como a orquestra bem  dirigida, retratada na segura direção de Dustin Hoffman.  

Palavras-chave: velhice; processo de envelhecimento; filme Quarteto  

A  consequência da vida é a velhice, e todos queremos uma vida longa e  de qualidade. Porque viver é tudo, e lutamos o tempo todo pela nossa  vida. No entanto, existem em cada fase encantamentos e  desencantamentos, e na velhice encontramos, na criatividade e na adaptação,  maneiras para viver satisfatória e alegremente. O lado negativo envolve a  descoberta de cabelos brancos, rugas, patologias típicas, sentimentos de  exclusão do mundo dos jovens, inutilidade e desvalorização, conforme relatos  de distintos idosos.  

Apresentamos a reflexão de duas psicólogas e uma enfermeira que discutem  os aspectos positivos e negativos da velhice, para  contribuir com uma nova perspectiva para a Gerontologia. Como refletir sobre  as ambivalências da velhice, fase tão viva quanto qualquer outra?  

Como psicólogas trabalhamos com processos emocionais, buscando identificar  os conflitos internos por meio do acolhimento das emoções que envolvem os  vínculos humanos. Na enfermagem visamos cuidar do bem-estar das pessoas,  por meio da promoção de uma vida saudável no que diz respeito a saúde,  informações socioeducativas, orientações para prevenção de doenças,  limitações e incapacidades. Cuidar com desvelo, zelo, atenção e bom trato.  Assim, a atuação da enfermagem seria entendida como atitude constante de  ocupação, preocupação, responsabilidade e envolvimento com o semelhante.  Somem-se os valores de solidariedade, respeito, afeto e compaixão  encontrados na dinâmica terapêutica do profissional com o idoso e familiares.  

Aprender que ser velho é experiência longa, complexa e  dolorosa. A cada década, o círculo da Grande Fadiga se  estreita em torno de nós, restringindo a intensidade e duração de nossas atividades. (HAREVEN apud G. STANLEY HALL, 1999:13)  

Atender às necessidades básicas e promover o bem-estar do idoso e de seus  familiares, apoiando-os nas decisões, ajudando-os a aceitar as alterações  físicas advindas de doenças próprias da idade, é a prática profissional  esperada.  

A Psicologia tem papel importante no processo do envelhecer, pois oferece sua  compreensão emocional, enfatizando a valorização dos vínculos afetivos  familiares como base segura para lidar com questões de depressão e  insegurança. É muito importante como apoio nas instituições; em processos  psicoterápicos individuais; na elaboração de projetos multidisciplinares; na  implementação de estatutos e de normas sociais, levando-se em conta os  aspectos emocionais limitadores e operacionais dessa fase da vida; em  psicoterapia de grupo ou de família e em projetos de sensibilização e  conscientização, dirigidos aos profissionais de diversas áreas.  

No convívio profissional observamos, com frequência, pessoas de todas as  idades usarem a palavra “velho” como sinônimo de morte. Mas ao refletir sobre  os estudos e observar a realidade, sob o olhar da Gerontologia Social,  constatamos que existem infinitos renascimentos. É uma nova etapa de vida,  repleta de possibilidades: estudar e trabalhar, paquerar e namorar, viajar e  aproveitar o muito que a vida tem a oferecer. Por que não? Assim os indivíduos  vivem a velhice como fase de interesses, desejos renovados e adaptados. Eles  aprendem e ensinam os conceitos de uma vida prolongada. E nós?  Aprendemos e ensinamos como devem se cuidar e como devem manter a sua  autonomia, que se perde gradualmente, vendo a dependência como natural no  processo de envelhecimento. 

O envelhecer, para diversas pessoas, é processo doloroso e muito complexo,  pois demanda transformações nos aspectos psicológico, biológico e social.  Observa-se que a maioria das pessoas não percebe que está envelhecendo e,  se percebe, não fala sobre as mudanças. Os estudos e a literatura  especializada afirmam que, por um lado, o envelhecimento seria acompanhado  de acúmulo de experiências, gerando maior criatividade para lidar com as  condições da vida. Por outro lado, indicam declínio significativo nas  habilidades, que levaria a incapacidades físicas e cognitivas.  

Alguns autores analisam, nos registros de dados, pesquisas desenvolvidas  com pessoas a partir dos 30 anos de idade, demonstrando ser essa a idade de  maior criatividade, o que foi contraposto com a idade avançada, quando as  pessoas vivenciam o início do declínio nas habilidades.  

Mas como envelhecer criativamente?  

Inicialmente, na tentativa de entender um pouco mais a palavra “criatividade”,  salientamos que acreditávamos que significasse apenas a possibilidade de o  individuo realizar atividades diferentes, inovadoras, como o próprio dicionário  descreve. Mas após lermos a respeito do assunto, percebemos que alguns  autores abordam a criatividade na perspectiva global, isto é, de maneira ampla,  o que nos ajudou a aprofundar a compreensão do tema.  

O conceito de criatividade se transformou historicamente; foi considerada  divina e concedida apenas a alguns mortais, até ser associada, em outras  épocas, ao conceito de loucura. Porém, na década de 1980 houve novas  pesquisas. Segundo Wechsler (1998), a criatividade é conceito abrangente,  “entendida como o resultado da interação entre processos cognitivos,  características de personalidade, variáveis ambientais e elementos  inconscientes”. As pesquisas evidenciariam, portanto, resultados de maior nível  de criatividade em pessoas velhas no gerenciar a vida cotidiana, com qualidade  e de acordo com suas possibilidades.  

Conclui-se, em geral, que os idosos são criativos para  solucionar problemas decorrentes do cotidiano, adaptando-se a situações diversas, tudo em um bom enfrentamento dessa fase chamada velhice (BRAGA; HORIOKA; FERREIRA, 2010:3).  

A criatividade depende de vários fatores que influenciam o contexto no qual o  indivíduo está inserido: familiar, social e educacional, aliados à personalidade e  elementos cognitivos.  

Provavelmente por isso, ao assistirmos ao filme “O Quarteto” nos sentimos  provocadas a debater os aspectos positivos e negativos da velhice, e  motivadas a repensar as questões surgidas no processo de envelhecimento e  seus resultados. 

A partir do filme refletimos sobre a velhice como idade avançada na  sofisticação e aprimoramento de vida, traduzindo muito bem o que observamos  e sentimos diante da tela, porque ela pode ser leve e divertida como qualquer  outra fase da vida, se valorizadas a alegria e a criatividade.  

O filme “O Quarteto” apresenta um grupo de  idosos aposentados como artistas eruditos, vivendo em uma casa de repouso, cada um retratando as inconveniências provocadas pela idade, como Alzheimer, esquecimentos da senilidade, estremecimentos de partes do corpo, dores nas articulações, dificuldade de audição, dificuldades de concentração, de locomoção, entre outras fragilidades típicas.  

A desenvoltura com que aquele grupo lida com  aspectos limitadores nos intrigou, especialmente por não enfatizar os transtornos de saúde; ao contrário, fazer deles um motivo de cuidado em tom de brincadeira, deixando sobressair o lado mais leve da vida.  

No filme, um grupo de cantores líricos e instrumentistas se prepara para uma  apresentação musical para o público influente da cidade, com a intenção de  angariar fundos para a manutenção da instituição onde moravam. E um  detalhe: conseguir a permanência dos mesmos profissionais, valiosos para  eles, pois já havia se formado vínculo afetivo importante e terapêutico.  

Percebemos no filme uma orquestra bem afinada no dia a dia das relações  interpessoais – fator muito importante e que deveria servir de exemplo para  pessoas que trabalham ou lidam com idosos. Descrevem-se as relações  interpessoais como baseadas na cooperação, compreensão, reconhecimento e  ajuda mútua, o que auxiliaria a elevação da autoestima do grupo de indivíduos  velhos e atuantes.  

Dentre os personagens destacou-se um diretor respeitado, irônico e divertido,  para organizar os números das apresentações e as atividades cotidianas dos  ensaios. Ele dirigia os velhos com ternura e certa rigidez, e todos percebiam e  entendiam como atitude de cuidado, salientando e considerando no  acolhimento as características e dificuldades peculiares de cada membro do  grupo, levando em consideração alguns tropeços, porém fazendo com que  todos se mantivessem incorporados em alta escala de valores e de respeito  com os demais. Todos se alegravam ao mesmo tempo em que se dedicavam a  cada número a ser apresentado.  

O filme retrata situações lúdicas e reais, que podem e devem acontecer na  convivência e no trabalho com os velhos. Ele nos ensina que há muita vida  para se viver e, como uma orquestra, todos, em cada fase de vida, tem tons,  sons, afinações, instrumentos e lugares definidos. Todos são importantes, e o maior descuido é pensarmos que algo está no fim quando todo dia é um  recomeço, cada hora pode ser marcante e durar uma eternidade. É possível  ser feliz, ampliar o bom, abrir um largo sorriso e trocar um abraço em qualquer  idade.  

Quando refletimos sobre o processo de envelhecimento nos deparamos com  um aspecto complexo, no qual se insere a dificuldade de o velho se reconhecer  e compreender, apoiados nos estudos de MERCADANTE et al (2005).  

Ao pensar nesses pontos nos deparamos com dúvidas em relação ao  enfrentamento das dificuldades próprias dessa fase, pois poderia causar  angústia o fato de pensar nas intercorrências desse processo, nos remetendo a  sentimentos profundos.  

Mas, surpresa, saímos do cinema motivadas. Esse momento foi muito bem  ilustrado no filme, quando a atriz principal, Maggi, descobre que seus afetos e  desafetos partilharão o mesmo espaço na casa de repouso, e todas as  recordações do passado vêm à tona, lembrando-se do sucesso que fez como  cantora, o poder que tinha seu nome no passado, e a angústia de que já não  se sentia como tal, e enfrentar o seu antigo amor, com lembranças dolorosas e  alegres.  

Sentimo-nos motivadas a fazer o quê?  

Engajar-nos em movimentos sociais, que promovam maior consciência da  sociedade com a velhice, atender às necessidades de saúde; maior número de  instituições especializadas; cuidados profissionais especializados; valorização;  

inserção social; afeto e reconhecimento pelas experiências, expandindo o  respeito pela pessoa de idade avançada.

Em outros termos:  

[…] alguma coisa complexa indica dificuldade e uma não explicação …não há uma resposta simples a ser buscada e, nem tampouco, um conceito chave, ‘que abra as portas’, que consiga analisar as situações psíquica, existencial, social, econômica e política. (MERCADANTE et al, 2005: 23).  

Questionar os valores da aposentadoria e as leis de estacionamento para  carros dos idosos, gratuidade nos transportes públicos, direito à meia-entrada  em cinemas e shows, enfim, percebemos ser pouco o que se faz, pois são  esses aspectos de modos de cuidar dos velhos no Brasil, na perspectiva social.  Acreditamos que as pessoas de idade avançada estão no topo das  experiências de vida e aprimoradas no entendimento sobre os relacionamentos  humanos, profissionais, sociais, e elas mantêm vivos na memória os detalhes e  crenças das histórias da família, prontas a serem ouvidas e valorizadas. 

No entanto, frequentemente um grande número perde o carinho e a atenção  dos entes queridos, por falta de tempo – na correria em cumprir os  compromissos diários. O tempo está passando, mas ainda não está perdido.  De qualquer forma, é imprescindível dar voz a essas pessoas cheias de vida,  cheias de graça, apesar das limitações. Há muito a oferecer, especialmente em  termos de troca afetiva, tão importante para a nossa sobrevivência emocional,  no mundo cada vez mais voraz, instantâneo, indigesto e competitivo.  

O mundo atual sofre transformação nas comunicações, com avanços  importantes e cotidianos na tecnologia, em parte da nossa vida diária,  mudanças que geram insegurança aos velhos, realidade que não fazia parte da  rotina, como atualmente. Vários idosos se encantam, sentem curiosidade, se  envolvem e aprendem a lidar com os aparelhos modernos de comunicação,  veículo importante para renovar as capacidades cognitivas, cativar, manter e  renovar vínculos entre pessoas distantes ou afastadas pelo tempo. Mas outros  resistem ou, simplesmente, não se interessam.  

Conforme Mercadante (2005), o processo do envelhecimento e a velhice são  vividos de modos diversos, próprios a cada indivíduo. O comportamento, nessa  fase, depende de um conjunto de fatores: como  o idoso se vê; como está inserido na família, comunidade e/ou sociedade. No filme, pessoas com comportamentos diferentes enfrentam a  mesma fase da vida, alguns com bom humor,  outros criativamente, ou amarguradamente, demonstrando descontentamento em todas as ações dos companheiros.  

A sociedade brasileira envelhece e convive com o fenômeno da crescente  longevidade. Quem de nós estará amanhã ocupando o lugar daquele que não  é valorizado, que está esquecido pela família, pelas instituições? Ou protegido  por uma consciência social de promoção e regulamentação de leis que  garantam condições do velho, de fato?  

Mas o que é velhice?  

O dicionário explica que é o estado ou a condição de velho e Mercadante  (2005) diz que essa palavra é entendida segundo conceitos diferentes, de  acordo com cada profissional. A classe médica responderá como fenômeno  biológico que remete ao declínio, pois aborda aspectos físicos e mentais,  resultando na morte.  

Assim, temos na literatura da área médica geriátrica o  entendimento da velhice como fenômeno biológico  apontado como gerador de declínio irreversível, tanto  físico quanto mental do indivíduo, como consequência da  passagem do tempo (MERCADANTE et al. 2005: 24). 

Ao refletir sobre a “idade social”, constatamos tratar-se de conceito relativo,  que varia conforme o contexto cultural que se está analisando:  Ao tentar entender as condições sociais que afetam a  idade adulta e a velhice, é importante perceber que as definições do envelhecimento, bem como as condições e  funções sociais de cada grupo de idade, não só mudam significativamente ao longo do tempo, mas também  variam entre diferentes culturas. (HAREVEN, 1999: 17)  

Segundo Hareven (1999), em meados do século XIX a sociedade norte americana aceitou a velhice naturalmente caracterizada como declínio, redução  gradativa e consequente desaparecimento, diferentemente de tempos  anteriores, em que o “velho” manifestava a sua força.  

Do ponto de vista físico, salientamos que as transformações do corpo no  processo do envelhecimento têm impacto importante – o velho tem a visão do  seu corpo modificado por linhas de expressão no rosto, a descoberta dos  cabelos brancos, deparando-se com a necessidade de trabalhar o seu mundo  interior para se adaptar a mudanças que resultam na desconstrução do jovem  belo – processo vivido de maneira peculiar pelos indivíduos.  

No filme “O Quarteto”, este ponto é ilustrado quando a atriz Maggi  se olha no espelho e analisa seu rosto velho; há algumas rugas e  ela se lembra de como era bonita quando jovem. No filme ou na  vida real há a tentativa de se inovar diante do espelho quebrado.  Porém, distintas pessoas não conseguem e se ressentem, não  aceitando as inevitáveis modificações do corpo.  

O envelhecimento é visto pelo conjunto da sociedade  como um tabu, como algo desagradável e que, portanto, deve ser negado. Lidar com as questões da velhice e do  envelhecer, tanto nosso quanto do outro, requer uma abertura especial. Temos que ter a compreensão do  envelhecimento como uma totalidade que não é simples e  nem tampouco abstrata (CÔRTE; ARCURI; MERCADANTE, 2005: 40).  

Pesquisa com mulheres de 67 a 77 anos, na qual foi sugerido um desenho  conjunto, teve como resultado o desenho de uma mulher jovem. Fato que  sugere a juventude como ainda fortemente internalizada por essas mulheres, e  nos faz perceber a importância social da identidade corporal, com padrão de  beleza imposto pela sociedade, e tão facilmente incorporado por nós (ARCURI  et al. 2005).  

Envelhecer significa a perda da identidade corporal, o que leva diversas  mulheres ao autoengano em clínicas estéticas, na tentativa de manipular os  sinais de envelhecimento, como último recurso para se sentirem inseridas socialmente. Significa a dificuldade de trabalhar naturalmente com as perdas  da juventude, negando o envelhecer e postergando o momento da reflexão.  Cada grupo social lida diferentemente com o envelhecimento:  

O corpo burguês é bonito, bem cuidado, recebe todo tipo  de cuidado, tanto mais quanto mais próximo à velhice. […]  

o corpo burguês é “produzido”, termo que já passou à  gíria entre os jovens dessa classe. (RODRIGUES, SOARES, 2006 apud BARRETO, 1992: 22).1 

No grupo social, com menor condição financeira, que não pode arcar com a  produção do corpo bonito e sofre influência por meio da mídia, o conflito é  ainda maior, pois se torna impossível corresponder ao padrão de beleza  socialmente imposto. Em alguns casos, pessoas idosas, de qualquer classe  social, podem desenvolver a síndrome denominada Gerontofobia.2 

Precisamos preparar a sociedade para entender o  novo sentido da vida, possível na velhice; ensinar como ser útil, receptivo, sensível, sem pieguice, com todo o respeito que o velho merece. Basta se  permitir fazer troca. É preciso trabalhar para aprimorar e ampliar a escuta especializada, sensibilizar e humanizar os profissionais de diferentes áreas, aproximando-os dos  pacientes velhos e frágeis, mas fortes em seus afetos.  

É difícil perceber as múltiplas perdas: agilidade, mobilidade corporal; pessoas  queridas; sentimento de pertença e utilidade; consideração e respeito das  pessoas próximas, profissionais e órgãos sociais. Perdas que levariam a  indiferença, desligamento da realidade, pensamentos confusos e depreciáveis  a respeito de si próprio. Utilizando, em diversas ocasiões, como último recurso  para chamar a atenção, os queixumes que, ao invés de comover, cativar e  estreitar laços afastam as pessoas mais importantes em um momento tão  especial e delicado da existência humana.  

Concluímos ser essencial um projeto que insira funcionalmente a pessoa idosa  na alegria, diversões, relações afetivas, no sorriso e no abraço, compreensão e  acolhimento, e na dignidade de se viver em um país que tem os olhos no presente, pensando no futuro, mas que reconheça o valor do passado, pois é sobre  ele que se fundamentam as bases imprescindíveis para a continuidade dos valores morais que implantam e implementam o caráter do indivíduo e sua atuação no meio familiar e social.  

1 Aspas da autora.  

2 “aversão a medo patológico de pessoas idosas ou do processo de envelhecimento”.  Disponível em: http://www.priberam.pt/dlpo/. 

51 Referências 

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HAREVEN, T. K. Novas Imagens do Envelhecimento e a Construção Social do  Curso da Vida. (1999) Disponível em:  <http://www.ifch.unicamp.br/pagu/sites/www.ifch.unicamp.br.pagu/files/n13a02. pdf>. Acesso em: 14 abr. 2013.  

O Quarteto: Direção: Dustin Hoffman; 98 minutos; Inglaterra /2012  http://vejasp.abril.com.br/atracao/o-quarteto  

RODRIGUES, L. S; SOARES, G. A. (2006) Velho, idoso e terceira idade na  sociedade contemporânea, Revista Agora. Vitória, n. 4, p. 1-29.  Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Disponível em:  <http://www.priberam.pt/dlpo/>. Acesso em: 28 abr. 2013.  

WESCHSLER, S. M. Avaliação multidimensional da criatividade: uma realidade  necessária (1998). In Psicologia Escolar e Educacional. Disponível em:  <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S14135571998000200003&script=sci_artt ext&tlng=pt>. Acesso em: 22 abr. 2013.  

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Carmen Cordeiro da Silva – Psicóloga clínica, acompanhamento terapêutico  (UNIP), discente no curso de Gerontologia lato sensu (Cogeae/PUC-SP).  Email: dracarmen-psicologa@hotmail.com  

Rosane Moura Albino Firmo – Enfermeira, consultora técnica de materiais  médicos e hospitalares, discente do curso de Gerontologia lato sensu (Cogeae/PUC). Email: rosane.firmo@hotmail.com  

Sônia Maria de Macedo Packness de Almeida – Psicóloga clínica (Unifapa),  especialização em Psicanálise (Unifesp), Psicopedagoga (lato sensu –  Universidade São Marcos), formação em Letras (Unifai). Discente do curso de  Gerontologia lato sensu (Cogeae/PUC-SP), voluntária em psicoterapia  individual no Centro de Convivência de Idosos Viva Vida (Ipiranga/SP). Email:  sonipack@yahoo.com.br